Wednesday, December 16, 2009

LAUDAINHAS DO MEU NATAL

• Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.

Vós menino, ensinai-nos a viver e a cantar:

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois fostes prometido, anunciado pelos profetas, e o arcanjo Gabriel confirmou tal profecia de nascerdes duma Virgem;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois esperámos por Vós como a Sabedoria do Altíssimo que nos ensinaria o caminho da salvação;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois esperamos por Vós como o Chefe da casa de Israel, nossa casa também, que nos resgataria com o poder do seu braço;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois esperamos por vós como o Rebento da raiz de Jessé, erguido diante dos povos e que nos libertaria;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois esperamos por Vós como a Chave da casa de David, que nos abriria a porta da Vida Verdadeira;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois esperamos por Vós como o Sol que nos iluminaria, nós que vivíamos nas trevas;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois esperamos por Vós como o Rei das nações, nosso Rei também, que nos salvaria, nós homens vindos do pó;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois esperamos por Vós como o Emanuel, que nos salvaria como Rei, Legislador, Esperança de todas as nações e Príncipe da Paz;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois esperamos ver-Vos, ó Rei dos reis, vindo do Pai, quando o Sol aparecesse no horizonte;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois Zacarias cantou a vossa visita e redenção, vindo como sol que nasce das alturas;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois Maria, Mãe dos homens, aceitou a graça de ser a Vossa Virgem Mãe, e magnificamente Vos glorificou:

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois também nós vimos daqui de África a estrela que aos magos guiou, e com eles quisemos presentear-vos o nosso coração;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois também estivemos no meio daqueles pastores, dos anjos escutamos a feliz notícia e fomos a Belém vos adorar e saudar;

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

- Pois encarnastes e habitastes entre nós homens, cheio de graça e verdade, para nos salvar:

• Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.

- E quando durante a ceia, nas nossas refeições, nos quiserdes lavar os pés, dai-nos a graça de estarmos bem atentos ao exemplo salvífico;

- E quando convosco estivermos no Horto ou nas quintas, jardins espalhados pela terra, dai-nos a graça e a força de não dormir, mas de trabalhar, vigiar e orar;

- E quando sairmos do Horto, dai-nos a graça de vos acompanharmos, de estarmos convosco, e não Vos negarmos;

- E quando o título da Vossa condenação for: "Jesus de Nazaré, rei dos judeus", dê-nos a graça de lermos por dentro o mistério escondido nestas palavras;

- E quando morrerdes, dai-nos, ó Filho amado do Pai, a graça da esperança na vossa ressurreição;

- E quando ressuscitardes, dai-nos a graça de podermos dizer: "sim, sempre acreditamos";

- E quando, porventura, desanimarmos e formos à caminho de Emaús ou duma outra aldeia, dai-nos a graça de vos escutarmos como caminhante, revelador das profecias, Vos reconhecermos no partir do pão e cartarmos:

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."

Sim! Fazei-nos reconhecedores de que sois a luz que ilumina a humanidade e ensinai-nos a cantar:

* "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados",

Sim! Fazei-nos teus receptores, porque somos teus

Sim! Fazei-nos vossos crentes, porque queremos ser sempre filhos de Deus e cantarmos

• "Glória à Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados."


Glória à Vós Pai eterno e ao Vosso filho Jesus Cristo e ao Espírito Santo. Ámen.

Tuesday, December 15, 2009

ELEMENTOS DE COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL. LEITURA DO DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE NA OPTICA DO ECONOMISTA AMARTYA SEN*

INTRODUÇÃO

No presente artigo, propomo-nos fazer uma leitura hermenêutica, filosófica e pessoal da nova concepção do desenvolvimento que Amartya Sem, prémio Nobel de economia 1998, nos apresenta na sua obra Development as Freedom (cuja tradução francesa é a seguinte: Un nouveau modèle économique. Développement, justice, liberté. Editions Odile Jacob, Paris, 2000).
O conceito de desenvolvimento atrai a nossa atenção à partir da nossa própria situação: contexto histórico, político, social, cultural e económico da África. A história recente de África testemunha um desejo ardente de desenvolvimento da parte dos povos africanos e uma política internacional de ajuda ao desenvolvimento. Assim, a compreensão da essência do conceito desenvolvimento e a apreensão inteligível dos seus contornos não poderia deixar de chamar a nossa atenção – que se quer filosófica porque animada por uma atenção que reflecte, raciocina, argumenta, critica, quer dizer interroga-se sobre o sentido do que é. Nesta perspectiva, compreenderemos a nova concepção do desenvolvimento à partir do seu telos (fim). Para isto, primeiramente, trataremos da problemática do desenvolvimento cujo fim último e meio principal é a liberdade.
Em segundo lugar, abordaremos o conceito de “capacidade” como um aspecto que explicita melhor o sentido que Amartya Sen dá à liberdade, mais precisamente ao que ele chama liberdades substanciais. A noção de capacidade poderá nos ajudar a compreender melhor tanto a pobreza económica como o que chamaremos pobreza existencial.
Em terceiro lugar, tentaremos compreender o que Amartya Sen chama a função de agente. A função de agente, que define a livre iniciativa dos indivíduos, nos ajudará a reflectir profundamente sobre a significação e as implicações do conceito de desenvolvimento no novo modelo económico proposto por Amartya Sen.
Finalmente, reflectiremos sobre a noção de “desenvolvimento sustentável”. Neste artigo, esta noção encontrará uma significação consistente à partir da consideração global e inclusiva do desenvolvimento como liberdade. A preocupação de dar um contributo na teorização e reflexão sobre o sentido e os contornos do desenvolvimento em África (em Angola em particular) nos levará a repensar o desenvolvimento em África à partir da nova concepção de Amartya Sen sobre o desenvolvimento.

I. DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE

A tese de Amartya Sen, segundo a qual «o desenvolvimento pode ser apreendido como um processo de expansão das liberdades reais de que os indivíduos gozam»[1] parece-nos revolucionária porquanto ela tenta reflectir sobre o telos de todo o desenvolvimento humano. É a partir deste telos – a liberdade – que vamos compreender a leitura que Amartya Sen faz de todo o processo racional e razoável de progressões das sociedades humanas. Com efeito, se a liberdade constitui a nossa grelha de leitura do desenvolvimento, então poderemos fazer uma leitura inteligível do desenvolvimento a partir do seu objectivo global, que é a promoção das liberdades substanciais do ser humano.
A ignorância ou o esquecimento deste aspecto importante permitiu uma estreita visão do desenvolvimento definindo-o a partir da industrialização, do crescimento do produto nacional bruto, do aumento das receitas, do progresso tecnológico, etc. Embora estes aspectos contribuam à expansão das liberdades, eles não definem essencialmente o desenvolvimento. Este deve ser visto de preferência como um processo cujo objectivo prioritário é a liberdade humana. A liberdade pode ser compreendida (simplesmente) como esta faculdade do ser humano de agir sem restrições de escolha que bloqueiem a sua realização existencial completa. Assim, o desenvolvimento consiste em contrariar ou ultrapassar tudo aquilo que se apresenta como não-liberdade, quer dizer o que restringe a escolha dos seres humanos e reduz as suas possibilidades de acção.
A abordagem que Amartya Sen faz do desenvolvimento é complexa e com forte possibilidade de se aproximar do desenvolvimento completo. Com efeito, a sua abordagem apresenta-nos uma visão global e aprofundada do conceito de desenvolvimento, na medida em que ela é capaz de nos apresentar tanto o fim último como o meio principal do desenvolvimento: «A liberdade aparece como o fim último do desenvolvimento, mas também como o seu meio principal».[2] Nesta acepção, o sentido do progresso humano é definido em relação ao avanço das liberdades, quer dizer à expansão das possibilidades de acção. Isto supõe a ultrapassagem dos principais condicionamentos que impedem o ser humano de se realizar: a pobreza, os conflitos violentos, a ausência das condições sociais e dos serviços públicos necessários, o autoritarismo político, etc. Estas privações são da ordem das disposições sociais, das liberdades políticas, das oportunidades económicas, das garantias de transparência e de segurança protectora. Estas liberdades são meios inter-conectados que promovem as possibilidades de acção do ser humano. Com efeito, a liberdade humana é situada. Isto quer dizer que ela se manifesta num quadro social organizado pelo mesmo ser humano. É neste sentido que as condições sociais podem favorecer ou impedir a realização da liberdade humana. Assim, o desenvolvimento é tanto da ordem do indivíduo como da sociedade, pois não poderíamos separar a acção do ser humano, enquanto indivíduo, da ordem social na qual ele se realiza. O ser humano, gozando de todas as dimensões da sua existência, está sempre e desde já na sociedade que o condiciona favorecendo ou impedindo a realização da sua liberdade. Para favorecer a realização da liberdade dos seres humanos, a sociedade oferece ao indivíduo uma variedade de direitos, de possibilidades, etc. que constituem o que Amartya Sen chama o papel instrumental da liberdade, quer dizer a liberdade enquanto meio. Esta contribui para a expansão da liberdade substancial que é «o conjunto de “capacidades” elementares, tais como a faculdade de escapar à fome, à desnutrição, à morbilidade evitável e à mortalidade prematura, bem como as liberdades que derivam da alfabetização, da participação política aberta, da livre expressão, etc.»[3] A liberdade substancial, da ordem das liberdades fundamentais, define o que Amartya Sen chama o papel constitutivo da liberdade. Assim, o desenvolvimento pode ser melhor compreendido como o processo que oferece às pessoas a expansão das possibilidades de viver a vida que eles podem razoavelmente desejar, ou seja de serem livres. Nesta perspectiva, o desenvolvimento (desenvolver) define-se como o processo evolutivo que descobre o que envolve a possibilidade da realização real da liberdade do ser humano.
Toda a lógica nacional do desenvolvimento tem a sua razão de ser na sua capacidade de estar ao serviço do ser humano; Com efeito, a existência do ser humano é essencialmente marcada pela acção. Esta só é possível porque o ser humano é livre. O ser humano satisfaz-se na medida em que pode agir, e desta maneira realizar-se, na liberdade. A liberdade real supõe uma libertação em relação aos constrangimentos ou violências tanto da natureza quanto da sociedade. Assim, quando Amartya Sen fala de desenvolvimento como um processo integrado de expansão das liberdades reais dos indivíduos, podemos compreender esta nova acepção pelo conceito de “libertação”. Todo o processo de industrialização, de progresso tecnológico, de modernização social, de aumento das receitas, do crescimento do produto nacional bruto – que podem ser considerados como alguns dos índices tradicionais do desenvolvimento – deve ser compreendido numa dinâmica mais global de libertação (como aliás já começa a ser feito, tendo em conta os relatórios do desenvolvimento humano do PNUD) cujo fim último e o meio principal é a liberdade. Aqui o termo libertação tem o sentido de ultrapassagem, de supressão, de superação do arbitrário que se opõe à liberdade do ser humano. Estas arbitrariedades ou factores de não-liberdade podem ser de ordem natural ou humana, quer dizer política, económica, social, etc.
Considerando o desenvolvimento à partir do seu telos – a liberdade – o contributo de Amartya Sen tem a vantagem de ir à essência do desenvolvimento como processo e de abrir o debate político-económico à uma perspectiva mais global do progresso das sociedades humanas da sua realização “real”.
Contudo, para que a compreensão do desenvolvimento seja completa, precisamos de reflectir sobre a significação que Amartya Sen dá à palavra liberdade. Neste ponto já tentamos compreender este termo. Trata-se agora de aprofundar um aspecto importante que comporta a palavra “liberdade” na concepção de Amartya Sen.

II. LIBERDADE COMO CAPACIDADE

Pensamos que na visão de Amartya Sen o conceito de capacidade explicita melhor a sua concepção de liberdade. Assim, queremos, neste ponto, compreender e reflectir duma maneira critica sobre o conceito de capacidade em relação ao conceito de liberdade.
«A “capacidade” duma pessoa define as diferentes combinações de funcionamentos que lhe é possível empregar. Trata-se então duma forma de liberdade, quer dizer da liberdade substancial de empregar diversas combinações de funcionamentos (ou dito de maneira mais concreta, a liberdade de levar diversos modos de vida).»[4]
Se a capacidade é definida pelas diferentes combinações de funcionamentos que uma pessoa pode empregar, estas combinações não poderiam ser actualizadas sem esta possibilidade que a pessoa desfruta. Assim, o conceito de capacidade evoca em nós sobretudo o facto duma possibilidade real. As possibilidades reais determinam a extensão do campo de acção dos indivíduos. Aqui não se trata duma possibilidade virtual, mas duma possibilidade que tem todo o necessário para se actualizar na existência situacional do indivíduo. Assim, a diversidade, a multiplicidade e a complexidade destas possibilidades tornam possível as combinações de funcionamentos. «O conceito de “funcionamento” (...) recobre as diferentes coisas que uma pessoa pode aspirar fazer ou ser»[5] Se esta é a significação do termo funcionamento, o conceito de capacidade nos apresenta ainda um outro aspecto a explorar: o da possibilidade real do ser humano prosseguir os fins que ele se propõe.
A capacidade, compreendida como possibilidade real, abre o indivíduo aos campos de escolha e de acção diversos. Com efeito, pensamos que as capacidades são da ordem transcendental (no sentido kantiano do termo), quer dizer da ordem das condições de possibilidade. Na medida em que o campo das possibilidades do indivíduo se alarga, a sua possibilidade de acção também se alarga, e o indivíduo encontra-se nas condições reais de poder se realizar livremente.
Se as capacidades do indivíduo são limitadas, o seu horizonte de realização é também limitado. Nestas condições, a escolha dum modo de vida que o indivíduo pode razoavelmente desejar é limitado.
A perspectiva da liberdade como capacidade permite-nos reflectir sobre a produção dos bens em relação ao ser humano. Tanto o processo de produção de bens materiais (e imateriais) como o processo de reconhecimento dos bens políticos e sociais acordados aos indivíduos deve ser (re)apropriado pelos indivíduos com o objectivo de favorecer os fins que eles se propõem.
Os indivíduos são “capazes” quando eles podem usufruir dos bens, introduzindo-os num projecto de vida pessoal ou social. A iniciativa, que representa um projecto de vida, manifesta a possibilidade real do ser humano se formar uma concepção da vida boa e de agir segundo a sua escolha. Assim, reforçar as capacidades é reforçar as liberdades, e é a liberdade que define o fim do desenvolvimento. É por isso que «o conjunto de capacidades representam a liberdade de realizar, quer dizer as combinações de funcionamentos possíveis, à partir das quais o indivíduo pode escolher».[6]
Nesta perspectiva, podemos compreender melhor o conceito de pobreza tanto na sua dimensão económica quanto na sua dimensão existencial. Com efeito, a pobreza consiste na «privação das capacidades elementares».[7] A privação das capacidades elementares mete o indivíduo numa posição de impotência real. Nesta posição, o indivíduo é deixado ao acaso e ao arbítrio das circunstâncias. A privação das capacidades impede o ser humano de usufruir dos bens naturais e humanos que o ajudam a dar um sentido (mais aberto) à sua existência.
A privação das capacidades afecta tanto a possibilidade de viver a sua vida segundo um livre projecto de realização pessoal – o que supõe a combinação dos diversos campos de escolha e de acção – quanto à possibilidade mesmo de fazer um projecto de vida. Se a limitação das capacidades atinge o estado de privação das liberdades elementares (mais precisamente das capacidades tais como a possibilidade de se alimentar convenientemente, a possibilidade de entrar activamente na vida social pela alfabetização, a escolarização, a iniciação, pela possibilidade de escolher um género de vida a levar) o ser humano pode encontrar-se na negação da possibilidade da sua existência enquanto manifestação do seu ser.
A reflexão sobre a liberdade, compreendida nos termos de capacidades, ajuda-nos a apreender mais profundamente o sentido da liberdade substancial como conjunto de capacidades elementares que permitem o ser humano realizar-se e escolher a forma de vida que ele tem razão de desejar.

III. A FUNÇÃO DE AGENTE

A função de agente é uma nova noção que Amartya Sen nos propõe e que nos permite compreender melhor a significação e as implicações da sua concepção do desenvolvimento enquanto processo integral de expansão das liberdades substanciais. O acento posto na liberdade como fim último e como meio principal do desenvolvimento não deve ser separado duma concepção do ser humano como o centro do desenvolvimento.
A função de agente é, para Amartya Sen, «a possibilidade para as pessoas exercerem a sua livre iniciativa».[8] A capacidade de tomar e realizar a sua livre iniciativa define o desenvolvimento como um processo integrado interno de expansão das possibilidades de realização livre das pessoas. Estas são os actores do desenvolvimento. As pessoas não devem ser consideradas como destinatárias passivas dos projectos ou dos bens criados por estruturas externas. O agente é «uma pessoa que age e modifica o estado das coisas e cujos resultados devem ser julgados segundo os objectivos e os valores explicitamente formulados por esta pessoa, o que não exclui, a possibilidade de os avaliar também em função doutros critérios»[9]
O desenvolvimento, enquanto processo, pode ser considerado como uma mudança. Efectivamente, o desenvolvimento marca uma modificação do estado das coisas, quer dizer, do que é não-liberdade para o ser humano. Este existe numa dinâmica de negação de tudo o que torna a sua existência impossível em relação ao seu projecto de vida. Com efeito, a liberdade apresenta-se primeiro como negação do dado puro e duro. O ser humano é o único animal capaz de dizer não ao que é. Actualizando esta negação, ele cria as condições duma nova realidade que ele pode pôr. A posição desta realidade marca a abertura dum novo campo de acção. Nesta lógica, o homem é capaz de transformar o que é naquilo que ele quer. Esta transformação ou modificação do estado das coisas é um dos aspectos do desenvolvimento enquanto processo. O ser humano, considerado como agente do desenvolvimento, pode ser compreendido como aquele que é capaz de actualizar as possibilidades que ele dispõe em função da sua natureza ou acção.
O ser humano, enquanto agente, quer dizer enquanto aquele que age, é aquele que dá sentido e objectivo à sua acção. Isto nos revela a dimensão ética desta acção na medida em que ela se desdobra como resposta à questão “como devo viver?” Quanto à dimensão de iniciativa, manifesta-se importante observar que a acção começa sempre alguma coisa nova seja em relação ao tempo ou às circunstâncias seja em relação ao objecto mesmo da acção seja em relação às consequências da acção. Quanto à questão ética do “como devo viver?”, diga-se que a acção humana, enquanto ela é habitada pelo sentido, responde ao imperativo de realização de um bem. Assim, agindo, o indivíduo procura o seu bem. A diversidade e a riqueza das concepções da vida boa exigem do indivíduo a escolha do seu modelo de vida e da sociedade, o respeito e a promoção da possibilidade desta escolha. Neste quadro, o agente, enquanto fonte de livre iniciativa, toma decisões, estabelece contractos, procura soluções com o fim de viver a sua vida segundo as suas escolhas. Os resultados da acção dos indivíduos devem ser considerados em relação aos objectivos que ele se propõe. Assim, é a função de agente dos indivíduos que define a sua implicação necessária e essencial no progresso económico, político e social das comunidades humanas.
A consideração da função de agente no processo de desenvolvimento permite-nos olhar atentamente o papel dos valores sociais, dos costumes e das tradições no desenvolvimento. Este, como um processo integrado de expansão das liberdades substanciais deve ter em conta a cultura dos indivíduos. O desenvolvimento não é algo que se imponha do exterior, mas sim uma necessidade que se manifesta e cujas soluções são trazidas do interior duma cultura
As liberdades dos indivíduos são influenciadas pelos valores socioculturais, e os indivíduos têm o direito de preservar estes valores, se eles o querem. Os valores socioculturais são realidades desejáveis pelo preço que lhe é dado pela sociedade. Neste caso, a liberdade como capacidade seria o conjunto de possibilidades que os indivíduos têm de realizar estes valores para a realização feliz das suas existências. A privação destas possibilidades constitui o campo de não-liberdade que define a pobreza dos indivíduos em relação aos seus valores. Assim, se o desenvolvimento entra na dinâmica da livre iniciativa dos indivíduos, ele deve favorecer os valores socioculturais, na medida em que estes valores reflectem a promoção das liberdades reais dos indivíduos. «O uso da liberdade exerce-se pela mediação destes valores, mas estes são susceptíveis de evoluir ao sabor do debate público e das interacções sociais, elas mesmas influenciadas pela liberdade de participação».[10] Talvez o conceito de participação explicite melhor o papel de agente que caracteriza a livre iniciativa dos indivíduos. Porém é preciso sublinhar que esta participação é activa. O ser humano concreto, situado em circunstâncias concretas, é o centro do desenvolvimento. Ele é, enquanto liberdade, o princípio, o fim e o meio incontornável do desenvolvimento.

IV. DESENVOLVIEMNTO SUSTENTAVEL

Nos nossos dias a noção de desenvolvimento sustentável está em voga. Ela caracteriza e dá peso de credibilidade internacional à todo novo projecto de desenvolvimento. Pensamos que a nova concepção de Amartya Sen do desenvolvimento como processo integrado de expansão das liberdades substanciais pode ajudar-nos a compreender profundamente a noção de desenvolvimento sustentável.
A partir do novo modelo económico proposto por Amartya Sen, podemos primeiramente compreender a sustentabilidade do desenvolvimento como esta qualidade que ele tem de atingir o seu fim: a expansão das liberdades substanciais. Nesta acepção, a sustentabilidade do desenvolvimento não se limita ao mecanismo de promoção da industrialização, do progresso tecnológico, da modernização, do crescimento do produto nacional bruto, do aumento das receitas, mas sim ele é sobretudo a capacidade de promover as liberdades reais dos indivíduos.
A promoção das liberdades substanciais dos indivíduos pelas liberdades instrumentais é um aspecto a não negligenciar na compreensão da sustentabilidade do desenvolvimento; com efeito, a liberdade é o factor determinante da mudança enquanto abertura à novas e diversas possibilidades.
A sustentabilidade do desenvolvimento pode ser também percebida à partir da compreensão da liberdade como capacidade. Isto quer dizer que o desenvolvimento sustentável exige deste processo a proposição de funcionamentos possíveis que os indivíduos podem combinar para escolher e se realizar. A privação das possibilidades reais é um índice da não–sustentabilidade do desenvolvimento, e é sobretudo o que chamamos pobreza.
O desenvolvimento sustentável é aquele que tem em conta a função de agente dos indivíduos, quer dizer capaz de promover a livre iniciativa dos indivíduos. Se as políticas de desenvolvimento não têm conta do papel de agente das comunidades, elas podem colmatar algumas privações imediatas, mas não formarão um processo integrado de supressão e superação das não-liberdades e de expansão das liberdades substanciais dos indivíduos.
O desenvolvimento sustentável é melhor compreendido na perspectiva do desenvolvimento como liberdade, pois que esta perspectiva é global e inclusiva, uma vez que ela integra o papel das liberdades económicas, políticas, sociais, etc. numa inter-conexão que considera os indivíduos na sua função de agente.
Pensamos que é nesta perspectiva do desenvolvimento como liberdade que o desenvolvimento sustentável deve ser pensado e reconsiderado em África – em Angola, em particular. Com efeito, não foram poucas as vezes em que, à partir mesmo da sua concepção, o desenvolvimento apresentou-se em África como um conjunto de receitas vindo do exterior, visando atingir um nível aceitável (e predefinido) de modernização, de industrialização, de progresso tecnológico, de estabilidade macro-económica, etc. O conceito mesmo de ajuda ao desenvolvimento na sua aplicação pode encerrar uma certa indigestão se ele é acompanhado duma apropriação, por parte dos que ajudam, da função de agente.
Se a liberdade é o fim último e o meio principal do desenvolvimento, para África em geral (para Angola em particular), talvez seja preciso que as políticas públicas visem de preferência a promoção das capacidades dos indivíduos, tendo em conta o seu papel essencial de agente. Assim, o desenvolvimento sustentável pode melhor ser considerado como um processo global e integrado de promoção das liberdades humanas.

CONCLUSÃO

Neste artigo quisemos abordar a nova concepção do desenvolvimento à partir do seu fim último e do seu meio principal, quer dizer a liberdade. Esta compreensão do desenvolvimento permitiu-nos reflectir sobre o desenvolvimento como processo de expansão das liberdades reais dos indivíduos. Para entrar em profundeza na apreensão da significação e das implicações desta definição, quisemos explicitar o sentido da liberdade no seu aspecto de capacidades, quer dizer o conjunto de possibilidades reais que permitem ao indivíduo de combinar os funcionamentos, com o fim de realizar-se e de escolher a forma de vida que ele tem a razão de se propor.
A função de agente, sendo uma noção que define a livre iniciativa dos indivíduos, ajudou-nos a compreender melhor as exigências do desenvolvimento considerado como processo de supressão das não-liberdades e de expansão das liberdades humanas reais.
Finalmente, fomo-nos convencendo que «o desenvolvimento é um compromisso que vai em conjunto com o compromisso da liberdade.»[11] A assunção desta tese permitiu-nos assumir uma visão compreensiva e esclarecedora sobre a noção de desenvolvimento sustentável.
Tendo em conta que o nosso artigo foi suscitado por um desejo de re-ler a nova concepção de Amartya Sen do desenvolvimento, para compreender a nossa realidade africana (angolana) esboçamos algumas considerações que nos ajudaram a apreender o sentido que deve-ria tomar o desenvolvimento em África em geral – em Angola em particular.

José Abel Moma

*Publicado pelo Jornal de Angola ano 30, nº 10490, 21 de Agosto de 2006; nº 10491, 22 de Agosto de 2006, nº 10492, 23 de Agosto de 2006.

[1] Amartya SEN, Un nouveau modèle économique. Développement, justice, liberté, Editions Odile Jacob, Paris, 2000, p. 13. «Le développement peut être appréhendé comme un processus d’expansion des libertés réelles dont jouissent les individus.»
* As traduções aqui apresentadas são da liberdade e responsabilidade do autor do artigo.
[2] Ibid., p. 10. “La liberté apparaît comme la fin ultime du développement, mais aussi comme son moyen principal ».
[3] Ibid., p. 46: « L’ensemble des "capacités" élémentaires, telles que la faculté d’échapper à la famine, à la malnutrition, à la morbidité évitable et à la mortalité prématurée, aussi bien que les libertés qui découlent de l’alphabétisation, de la participations politique ouverte, de la libre expression, etc. »
[4] Ibid., p. 83: «La "capacité" d’une personne définit les différentes combinaisons de fonctionnements qu’il lui est possible de mettre en oeuvre. Il s’agit donc d’une forme de liberté, c’est-à-dire de la liberté substantielle de mettre en œuvre diverses combinaisons de fonctionnements (ou pour le dire de façon plus concrète, la liberté de mener des modes de vie diverses) »
[5] Ibid., p. 82 : «Le concept de "fonctionnement" (...) recouvre les différentes choses qu’une personne peut aspirer à faire ou à être ».
[6] Ibid., p. 83 : « L’ensemble de capacités représentent la liberté d’accomplir, c’est-à-dire les combinaisons de fonctionnement possibles, à partir desquelles l’individu peut choisir ».
[7] Ibid., p. 95: “Privation des capacités élémentaires ».
[8] Ibid., p. 44 “La possibilité pour les gens d’exercer leur libre initiative »
[9] Ibid., p. 29 «une personne qui agit et modifie l’état des choses et dont les résultats doivent être jugés selon les objectifs et les valeurs explicitement formulées par cette personne, ce qui n’exclut pas, pour autant, de les estimer aussi en fonction d’autres critères »
[10] Ibid., p. 19 «L’usage de la liberté s’exerce par la médiation de ces valeurs, mais celles-ci sont susceptibles de évoluer au gré du débat public et des interactions sociales, elles-mêmes influencées par la liberté de participation ».
[11] Ibid., p. 296 «Le développement est un engagement qui va de pair avec celui de la liberté ».