Friday, September 28, 2012

DE UM LEMA À UMA VISÃO ESTRATÉGICA 2050: PROPOSTA DE COMPREENSÃO DA PRESIDÊNCIA DE ANGOLA NA SADC

INTRODUÇÃO
O propósito da presente proposta é de oferecer uma grelha de leitura das principais realizações da SADC durante a presidência rotativa de Angola, em função do Plano de Acção definido por este país. Assim, pretende-se identificar a coerência das intervenções da SADC durante o período de Agosto 2011 a Agosto 2012 com o Plano de Acção estabelecido por Angola. A questão que guia a presente proposta é a de saber se as realizações da SADC, durante a presidência de Angola, estavam de acordo com os objectivos do seu Plano de Acção? Portanto, a questão não é a de saber se Angola realizou tudo o que tinha programado; mas, se o que foi realizado pela SADC durante a presidência de Angola estava programado pelo Plano de Acção de Angola e se houve uma relação de eficácia e eficiência entre os objectivos, os recursos e os resultados.
Para responder ao nosso questionamento, as realizações da SADC durante a presidência de Angola são enquadradas e confrontadas com os principais eixos de acção definidos pelo Plano de Acção de Angola. Deste modo, a proposta de compreensão que aqui apresentamos baseou-se fundamentalmente no Plano de Acção da Presidência de Angola na SADC. A nossa leitura envolveu a análise de dados recolhidos do Secretariado da SADC, da Comissão Nacional da SADC de Angola, e dos meios de comunicação social dos estados membros da SADC.
As dificuldades encontradas para a elaboração da presente proposta circunscrevem-se sobretudo à indisponibilidade electrónica de alguns documentos, que, pelo seu carácter informativo e formativo, deviam estar à disposição dos cidadãos da África Austral através de meios mais eficazes e acessíveis.

DO LEMA E DA AGENDA: O FIO DE COERÊNCIA.
Angola assumiu a presidência rotativa da SADC, definindo como LEMA: “Consolidar as Bases da Integração Regional: Desenvolvimento das infra-estruturas para facilitar as trocas comerciais e a liberalização económica.” Este lema declarava abertamente a visão assumida por Angola de que as infra-estruturas constituem a base sustentável para o processo de integração regional.
O PLANO DE ACÇÃO DA PRESIDÊNCIA DE ANGOLA NA SADC resultou da identificação de alguns constrangimentos ao processo de integração regional, tendo em conta a necessidade de o actual modelo ajustar-se às exigências do contexto internacional e regional, afectado pela crise económica e financeira. Assim, Angola apontou três eixos principais em torno dos quais a sua acção devia basear-se: a Capacidade Institucional do Secretariado da SADC; o Processo de Integração Regional; e o Financiamento da Organização. Estes três eixos serão a seguir apresentados em oito categorias de intervenções da SADC durante a presidência de Angola: o secretariado da SADC, a revisão do RISDP, a cooperação política, defesa e segurança, a integração regional e desenvolvimento das infra-estruturas, a mobilização de recursos e o Fundo de Desenvolvimento Regional, o comércio regional, a saúde, educação, agricultura e segurança alimentar, e finalmente a visão de longo prazo, ou seja, a Estratégia 2050.

O SECRETARIADO DA SADC
Em relação ao SECRETARIADO, o Plano de Acção de Angola definia como urgente o reforço da sua capacidade institucional, introduzindo práticas modernas de gestão que resultassem em maior eficiência e eficácia. Este reforço passava pela melhoria na gestão dos recursos humanos, planificação, recolha e tratamento de dados estatísticos, contabilidade, auditoria, bem como a monitoria da implementação das decisões da Cimeira, do Conselho de Ministros, dos Comités dos Ministros Sectoriais, etc. Neste domínio, a SADC reforçou a implementação de acções que se consubstanciam no estudo e na assunção de novos conceitos e práticas de gestão institucional internacional que, com o tempo, se reflectirão numa melhor atracção, gestão e administração dos recursos humanos, financeiros e materiais.

REVISÃO DO RISDP
No que concerne à planificação de políticas, o Plano de Acção da Presidência de Angola direccionava-se para o estudo de avaliação do Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional (RISDP, na sigla inglesa). Assim, durante a presidência de Angola, consolidou-se o projecto de revisão do referido plano estratégico, tendo sido concluída, em 2011, a primeira fase do processo de avaliação documental. Esta revisão em curso permitirá medir o grau de implementação dos programas e projectos do RISDP, identificar os constrangimentos, definir medidas correctivas e, se necessário, propor um novo calendário do processo de integração regional. Mencione-se que, a guisa de contribuição financeira, Angola investiu cerca de 1 milhão de dólares para o processo de revisão do RISDP.

COOPERAÇÃO POLÍTICA, DEFESA E SEGURANÇA
Neste domínio, o Plano de Acção da Presidência de Angola previa o trabalho na resolução pacífica dos conflitos remanescentes, a consolidação da paz, da democracia e o respeito dos direitos humanos na região. Deste modo, Angola contribuiu com cerca de 1 milhão de dólares para as actividades do ÓRGÃO DE COOPERAÇÃO NAS ÁREAS DE POLÍTICA, DEFESA E SEGURANÇA, direccionados principalmente para o processo de mediação do conflito malgaxe.
Em relação à este conflito, a SADC institucionalizou o Gabinete de mediação de paz em MADAGÁSCAR. Foi constituída uma tróika, composta pela África do Sul, Zâmbia e Tanzânia, que, assistida por um mediador, conduzirá o processo de normalização constitucional. Os esforços da equipe de mediação e da tróika do Órgão da SADC resultaram na assinatura, em Setembro de 2011, do Roteiro de normalização constitucional.
No concernente à REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO, a SADC acompanha com preocupação a situação no leste deste país, estando a trabalhar com as autoridades da RDC no sentido da sua pacificação e preservação da soberania e integridade territorial, em sintonia com os outros países da região dos Grandes Lagos. Nesta base de concertação, a SADC vira-se agora para uma abordagem de partilha de esforços com a Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos, da qual também fazem parte a RDC, Angola, Tanzânia e Zâmbia.
Sobre o ZIMBABWE, tendo como facilitador, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, registou-se um nível aceitável de cooperação por parte dos actores políticos envolvidos no sentido da implementação do Acordo Político Geral, faltando apenas a aprovação da Constituição. Outrossim, há a registar como positivo o levantamento parcial de algumas sanções. Apesar das dificuldades próprias do seu estágio, o EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA na região foi razoável. Nota de realce vai para as ELEIÇÕES pacíficas presidenciais realizadas nas Seychelles, em Setembro de 2011; na Zâmbia, em Setembro de 2011; e na RDC, em Novembro de 2011. Por outro lado, houve eleições legislativas no Lesoto, em Maio 2012, depois de 2 anos de diálogo mediado pela SADC. Para além disso, houve uma TRANSIÇÃO PACÍFICA de poder no Malawi, após a morte do Presidente Bingu wa Mutharika, que permitiu a ascendência da primeira mulher como Presidente na região austral.
Em relação à COOPERAÇÃO DIPLOMÁTICA, depois de consideráveis esforços, finalmente a SADC conseguiu que, em 2012, a candidata Sul-africana, Nkosazana Dlamini Zuma, Ministra da Administração Interna, fosse eleita Presidente da Comissão da União Africana. O Plano de Angola tinha também em consideração a questão do ambiente, visando a promoção da concertação de ideias no sentido duma estratégia comum da SADC nos fóruns internacionais, particularmente na 17ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC). No mesmo domínio, criaram-se as condições para consultas técnicas no sentido dos estados membros terem um entendimento comum sobre as questões ambientais que seriam discutidas na Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável Rio +20. Ainda no concernente ao jogo diplomático, a SADC assumiu a candidatura das Maurícias para acolher o Instituto Africano de Remessas.

INTEGRAÇÃO REGIONAL E DESENVOLVIMENTO DAS INFRA-ESTRUTURAS
Concernente ao processo de INTEGRAÇÃO REGIONAL, o Plano de Acção de Angola apresentava como necessário que o modelo de integração tivesse em conta a complexidade do contexto actual, marcado pela crise económico-financeira e pelos diferentes estágios de desenvolvimento dos estados membros. Assim, baseada na preocupação de alguns estados como a África do Sul, Moçambique e Angola, a visão transmitida foi a de que o modelo de liberalização comercial devia ter em conta as exigências de desenvolvimento comunitário regional balanceado, fundamentados numa rede sustentável de infra-estruturas, com efeitos mais directos no combate à pobreza. Afinal, o processo de integração da região, tal como definido no RISDP, depende fortemente das infra-estruturas de desenvolvimento e do seu respectivo financiamento.
Consequentemente, na área de INFRA-ESTRUTURAS, o Plano de Acção de Angola previa a finalização do Plano Director de Infra-estruturas; o desenvolvimento dos clusters dos corredores ocidental, oriental e sul; a promoção e realização de uma conferência de investimentos da SADC para os referidos clusters, o aumento da capacidade de produção e distribuição de energia na região; inclusivamente as energias renováveis; e a implementação do projecto sobre a área de conservação transfronteiriça do Okavango-Zambeze (ATFC-KAZA). O Plano de Acção de Angola reconhecia que os estados membros ainda não tinham devidamente assumido uma perspectiva integrada nos domínios da planificação e aplicação dos projectos de infra-estruturas. Pior do que isso, o sector privado não encontrava incentivos suficientes para o investimento orientado em infra-estruturas. Assim, para além das vias de comunicação, e do sector financeiro, era também necessário olhar particularmente para o aumento da capacidade de criação e distribuição energética sustentável, assumidos numa proposta de estratégia de desenvolvimento industrial.
Nesta conformidade, aos 28 de Junho de 2012, foi aprovado, pelos Ministros responsáveis pelas infra-estruturas, o Plano Director de Desenvolvimento de Infra-estruturas da SADC (Regional Infraestructure Development Master Plan – RIDMP), orçado em mais ou menos USD 43 bilhões, abarcando projectos em 6 sectores: Energia, Águas, Transportes, Tecnologias de Comunicação e Informação, Meteorologia e Turismo. Baseado na Visão 2027 da SADC, este Plano Director subdivide-se em três fases: 2013 a 2017, fase de harmonização e estabelecimento de novas instituições, reforço de capacidade e preparação de projectos para a segunda fase, de médio prazo, de 2017 a 2022. Esta prevê o crescimento dos projectos já elaborados e a avaliação do seu progresso; enquanto a terceira fase, de longo termo, 2022 a 2027, será dedicada à avaliação da produtividade dos projectos. Lembre-se que o Plano Director começou a ser desenhado em 2007, em Lusaka, quando na Cimeira de Agosto, foi recomendada a elaboração dum plano compreensivo de desenvolvimento das infra-estruturas na região. Aprovado a nível ministerial, o Plano foi recentemente adoptado pela Cimeira da SADC, em Agosto último, na cidade capital de Moçambique, Maputo.

MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS E O FUNDO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL
O Plano Director de Desenvolvimento de Infra-estruturas da SADC deve estar sustentado pela ESTRATÉGIA DE MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS e pelo Fundo de Desenvolvimento Regional. No domínio da mobilização de recursos, o Plano de Acção de Angola defendia a aplicação da Estratégia de Mobilização de Recursos. Consequentemente, durante a presidência da Angola houve esforços consistentes no sentido desta mobilização de recursos e de investimentos, acentuando a necessidade da aprovação da sua Estratégia, que permitiria uma abordagem holística e coordenada na atracção e gestão de financiamento dos parceiros de Cooperação Internacional.
Com vista à mobilização e atracção de investimento para os programas da região, foi realizado em Março de 2012, no Japão, o Seminário sobre investimentos em infra-estruturas entre a SADC e o Japão. O Seminário mostrou o conjunto de projectos infra-estruturais da SADC, visando conscientizar a comunidade de negócios do Japão sobre as oportunidades no sector infra-estrutural e de apoio a integração regional. Lembre-se que em Novembro de 2011 foi lançado o Portal de Investimentos da SADC bem como o Programa de Acção Regional de Investimento.
Sobre o FINANCIAMENTO DA ORGANIZAÇÃO, o Plano de Acção orientava o reforço dos mecanismos e fontes de financiamento dos projectos da organização. Assim, o Plano definia a promoção do aumento da contribuição dos Estados membros e sobretudo a implementação do Fundo de Desenvolvimento da SADC. No mesmo âmbito, adiantava-se a necessidade da operacionalização do Fundo de Preparação e Desenvolvimento de Projectos (PPDF) de Infra-estruturas. Para o efeito, sendo que 70% do orçamento da SADC depende ainda dos parceiros da cooperação, era necessário que tal financiamento com os parceiros fosse diversificado, olhando sobretudo para as potências imergentes, no sentido da cooperação sul-sul.
Em relação ao FUNDO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DA SADC, cujo capital inicial proposto é o equivalente à USD 600 milhões, durante a presidência de Angola, a SADC desenhou o horizonte de definição do seu quadro legal, da capitalização e da instituição financeira de desenvolvimento domiciliária do Fundo, dos direitos de voto, da estrutura institucional bem como das modalidades de operacionalização do Fundo.

COMÉRCIO REGIONAL
No domínio do Comércio, o Plano de Acção concentrava-se na consolidação da Zona do Comércio Livre da região, olhando com particular atenção à adesão e participação de Angola, RDC e Seychelles. Outrossim, o Plano chamava atenção à consideração de que Malawi, Tanzânia e Zimbabwe ainda acusavam um certo atraso na redução gradual de tarifas. Com efeito, a adesão de Angola, da RDC e da Seychelles poderia resultar num incremento do PIB da região em mais de 100 bilhões de USD e mais de 80 milhões de consumidores.
Durante a presidência de Angola houve progressos na abordagem dos estados não aderentes à Zona de Comércio Livre da SADC. Com efeito, Angola está a preparar um roteiro de ascensão à Zona, considerando o seu estágio de reconstrução industrial e desenvolvimento das infra-estruturas económicas e financeiras. A Seychelles, finalmente, já submeteu ao Secretariado da SADC uma carta de intenção e uma proposta de acesso ao mercado.
Nesta perspectiva, duma maneira geral, para um melhor entendimento comunitário e facilitação da entrada e permanência dos estados membros na Zona, serão revistas e simplificadas as regras de origem. Em relação ao projecto de União Aduaneira da SADC, há um trabalho avançado, à nível ministerial, que define o enquadramento do que será esta União Aduaneira.
Por outro lado, houve progressos nos trabalhos de definição da Zona de Comércio Livre Tripartida SADC/COMESA/EAC, com uma visão de integração virada para o desenvolvimento das infra-estruturas, da indústria e do mercado, tendo como enquadramento político o contributo na implementação de uma Comunidade Económica Africana, de acordo com o Plano de Acção de Lagos (1989), o Tratado de Abuja (1991) e a Resolução da Cimeira da União Africana, de Banjul (2006).

SAÚDE, EDUCAÇÃO, AGRICULTURA E SEGURANÇA ALIMENTAR
No sector da SAÚDE, o Plano de Angola previa o acompanhamento dos projectos financiados pelo Fundo do VIH/SIDA da SADC bem como dos programas e projectos de combate à Malária e a Tuberculose, e a implementação do projecto financiado pelo Fundo Global sobre a criação de clínicas móveis transfronteiriças do VIH/SIDA. No sector da saúde, houve avanços no combate ao VIH/SIDA na base da Declaração de Maseru de 2003, tendo sido registado a redução dos níveis de novas infecções, diminuição das mortes relacionadas com a SIDA e mudança de comportamento da população da região.
A nível da EDUCAÇÃO, considerando que o nível de inscrição e participação da região ainda é baixo, os Ministros do Ensino Superior e Formação aprovaram, em Junho de 2012, o Quadro de Política de Ensino Aberto e à Distancia que oferece directivas para o aumento e aceleração do acesso à educação de qualidade a todos os níveis.
Em relação à AGRICULTURA E SEGURANÇA ALIMENTAR, na base do Plano de Acção de Angola, houve o acompanhamento e avaliação do Plano de Acção de Dar-es-Salam sobre a Agricultura e Segurança Alimentar, da implementação do projecto de combate as doenças transfronteiriças dos animais, e passos decisivos foram dados na direcção da implementação do Centro de Coordenação de Pesquisa Agrícola e Desenvolvimento, CCARDESA.

VISÃO DE LONGO PRAZO – ESTRATÉGIA 2050
Coerente com a sua abordagem e o seu Plano de Acção, o Chefe de Estado Angolano, na qualidade de Presidente em Exercício da SADC, propôs que a SADC adopte uma Estratégia de Visão de longo prazo para a integração económica da região, a Estratégia 2050. Esta proposta de Angola, baseada num Documento Conceptual de Visão 2050 da SADC, foi acolhida na Cimeira de Luanda, de Junho de 2012.
Tendo sido submetida à consulta e contribuições dos Estados membros, esta visão estratégica apresenta-se como um contributo à revisão do RISDP no sentido da abertura ao contexto actual, identificando as oportunidades e ameaças para o alcance dos objectivos estratégicos da SADC. Essa Estratégia de integração regional deverá articular o eixo da mobilização de recursos financeiros num Fundo de Desenvolvimento Regional que possibilite a implementação do Plano Director de Desenvolvimento das Infra-estruturas.

CONCLUSÃO
As realizações da SADC, confrontadas com o Plano de Acção da Presidência rotativa de Angola, apresentam coerência. No entanto, tanto o Plano de Acção da Presidência de Angola como as próprias realizações da SADC continuam a enfermar de uma fraca participação efectiva e afectiva das populações da África Austral. Com efeito, é necessário que as populações da África Austral comecem a construir uma CIDADANIA AUSTRAL baseada no sentimento de pertença à uma região que decidiu ser uma comunidade na base da cooperação e integração em segurança e em desenvolvimento. Este espaço das populações da África Austral deve ser garantido juridicamente e de facto pelas elites políticas dos estados membros e pelo secretariado da SADC, no sentido de se evitar que tais populações se tornem objectos e não sujeitos de uma AFIRMAÇÃO E IDENTIDADE SADCIANA.

Jose Abel Moma mjoseabel@yahoo.fr