Thursday, August 11, 2011

A VIOLÊNCIA E O SACRIFÍCIO NAS COMUNIDADES PRIMITIVAS E NAS SOCIEDADES MODERNAS

INTRODUÇÃO

No presente artigo propomo-nos abordar a questão da violência e do sacrifício nas comunidades primitivas e nas sociedades modernas. A nossa reflexão será sustentada pelo sistema antropológico-fenomenologico de René Girard. Com efeito, este autor, que toma a sério a significação etimológica do termo sacrifício – “fazer sagrado”, pensa que a violência encontra o seu fundamento no carácter mimético do desejo.
Nesta perspectiva, o ser humano, enquanto sujeito, deseja não o objecto em si, mas o objecto enquanto desejado por um outro sujeito, ou seja estamos diante duma imitação de apropriação: eu, enquanto sujeito, desejo este objecto porque tu, enquanto sujeito, também o desejas. O desejo do objecto desejado por outrem é ao mesmo tempo sugerido e interdito. Deste modo, entre os dois sujeitos estabelece-se uma relação de rivalidade mimética. A evolução desta rivalidade leva à crise mimética, caracterizada pelo desaparecimento prático do objecto em si, pois já não se deseja o objecto, mas o desejo do outro.
A crise mimética que se instala na comunidade é uma séria ameaça à sobrevivência da mesma, pois nestas circunstâncias a violência tem todas as condições para se generalizar.
Diante desta ameaça, surge a solução do sacrifício. Com este, a violência é transferida para um bode expiatório que cataliza sobre si a culpa de todos os males da comunidade.
Seguindo esta perspectiva girardiana, queremos no presente artigo, comparar o sistema sacrificial primitivo com o sistema judiciário moderno no intuito de afirmar, sem pretensão redutiva, o carácter preventivo dum e o cunho curativo doutro.

VIOLÊNCIA, SACRIFÍCIO E JUSTIÇA

Na sua reflexão sobre o sacrifício, René Girard constata que em diversas sociedades dá-se uma dupla dimensão ao sacrifício: ele é ao mesmo tempo legítimo e ilegítimo, uma coisa santa e também um crime (violência). Isto leva o autor a colocar a questão atinente a relação entre o sacrifício e a violência. Girard começa por fazer uma análise da expressão “violência irracional”. O que é que esta expressão significaria quando se colocasse a possibilidade da violência não carecer de razão? Diante desta possibilidade, a expressão “violência irracional”, ao menos, significaria que as razões da violência não devem nunca ser tomadas a sério. Para além disso, a violência insaciada encontra sempre uma vítima sobressalente – bode expiatório. Esta atrai a violência somente por causa do seu carácter vulnerável. Há aqui um processo de substituição. Este processo leva-nos a pensar. Assim, Girard coloca a hipótese do sacrifício ritual estar baseado numa substituição de seres – cuja morte não desejamos – por vítimas animais. Girard pensa que a sua hipótese encontra-se confirmada pelos dados etnológicos modernos e assim o sacrifício pode ser explicitado com a ajuda da hipótese da substituição.
No sacrifício existe sempre uma vítima escolhida. As relações entre a vítima de iure e a vítima de facto não são marcadas pela culpabilidade ou pela inocência. O que há é um desvio (uma transferência) duma violência perturbadora da existência e das relações dos membros da comunidade para uma vítima relativamente indiferente, uma vítima sacrificável. O animal sacrificado impede os contactos directos que poderiam arrastar a violência entre os membros da comunidade. Esta substituição torna possível uma certa deslocação que faz com que a violência possa perder de vista o primeiro objecto visado. O sacrifício, compreendido desta maneira, tem uma dimensão colectiva. O sacrifício protege a comunidade inteira da sua própria violência desviando-o em direcção de vítimas que lhe são exteriores.
O sacrifício restaura a harmonia necessária à existência da comunidade. Ele tem a tarefa de dominar e canalizar numa boa direcção as substituições que se impõem. Com efeito, quando a violência não é satisfeita, ela acumula-se e retém-se até explodir e espalha-se com efeitos indesejáveis e inesperados. Deste modo, na abordagem de René Girard descobre-se uma interpretação do sacrifício como violência de substituição. Esta hipótese, que o autor chama “intuição real”, toma a violência interna das comunidades humanas como uma chave de compreensão tanto do religioso como do comportamento humano: “Se se aborda o sacrifício por este aspecto essencial, por esta via real da violência que se abre diante de nós, apercebe-se que ele não é realmente estrangeiro à nenhum aspecto da existência humana, nem mesmo da prosperidade material.”
Embora geralmente as vítimas de substituições sejam animais, elas também podem ser homens. Nestes casos há uma categorização operada pela comunidade que determina algumas categorias de seres humanos que podem ser imolados para proteger outras categorias.
A aproximação que Girard faz entre as vítimas animais e as vítimas humanas permite-lhe compreender os critérios segundo os quais as sociedades operam a escolha das suas vítimas.
Estudos etnológicos e sociológicos apresentam-nos o inventário das vítimas: os prisioneiros de guerra, os escravos, as crianças, os adolescentes não casados, os deficientes físicos, os rejeitados da sociedade (o pharmakos grego) e, em certas comunidades, o rei. O denominador comum desta lista é primeiramente o facto das vítimas serem tiradas de categorias sociais exteriores ou marginalizadas, que nunca podem ter na / com a comunidade o mesmo tipo de relações que têm os outros membros da comunidade. Pela sua posição social, o rei também é isolado dos outros membros da comunidade. Assim, lá onde os outros marginalizados escapam à sociedade pelo baixo, o rei escapa pelo alto.
A ausência de proximidade entre a vítima e a comunidade permite que a violência sofrida pela vítima não despolete represálias doutros indivíduos que seriam os seus próximos. O sacrifício serve para apaziguar as violências intestinais que se manifestam sob forma de vingança. A vingança atrai sempre uma outra vingança de tal maneira que ela pode se estender ao conjunto da comunidade, constituindo-se num processo interminável. Tendo em conta que a multiplicação da vingança mete em risco a vida da comunidade, em todas as sociedades ela é objecto duma interdição estrita.
Podemos dizer que a vingança é um acto de represália pelo qual punimos um crime (muitas vezes um assassínio). Assim, a vingança manifesta o horror que os seres humanos sentem diante do assassínio (ou dum outro mal feito ao próximo). Daí, a obrigação que os homens se impõem de vingar os próximos é a afirmação da obrigação suprema de não matar ou fazer mal ao próximo. Mas, se a vingança, pretende reparar um crime, ela também comete um outro e entra, desta maneira, num ciclo vicioso.
As comunidades primitivas são conscientes desta realidade da vingança. Elas sabem que a vingança não pode conter a violência (o crime), pois ela é também violenta (criminosa). Assim, as comunidades primitivas procuram “medidas preventivas” que podem se resumir no sacrifício. Este é um instrumento eficaz de prevenção na luta contra a violência. O sacrifício é o acto que polariza e atrai as tendências agressivas e violentas sobre as vítimas reais ou ideais que não têm a sorte de ser vingadas. Assim, quanto mais grave se apresenta a vingança em potência, mais preciosa deve ser a vítima.
As sociedades modernas encontram-se diante da mesma realidade da violência e da vingança sempre possível. Ao contrário do sistema preventivo próprio das comunidades primitivas, as sociedades modernas erigiram um sistema curativo que afasta o ciclo vicioso da vingança. Com efeito, estas sociedades constituíram instituições que limitam o exercício da vingança. Estas instituições formam o sistema judiciário que evita a ameaça do ciclo da violência. Na realidade, o sistema judiciário não impede a vingança, contudo ele domina-a e limita-a à represálias únicas que são exercidas por uma autoridade soberana e especializada neste domínio. Assim, o sistema judiciário, embora torne possível a violência, corta a possibilidade dum ciclo vicioso.
O sistema penal, no seu princípio de justiça, não é diferente do princípio da vingança concernente a reciprocidade violenta e à retribuição. A diferença entre os dois casos consiste no tipo de ordem social, pois a vingança executada pela autoridade judiciária não pode mais ser vingada e o risco da escalada do mal é reduzido.
Através da análise que acabamos de fazer a propósito das comunidades primitivas e das sociedades modernas, vemos que o sacrifício, e o rito em geral, desempenha um papel essencial nas comunidades primitivas ameaçadas pelo ciclo da vingança, mas desprovidas do sistema judiciário modernamente organizado.
No entanto, o que chama atenção é o facto de que lá onde se instala o sistema judiciário modernamente organizado, o sacrifício enfraquece e dele resta apenas uma forma quase vazia. Geralmente, o homem moderno apreende o sacrifício no seu estado de definhamento. Esta apreensão dá-lhe a ideia segundo a qual as instituições religiosas e sacrificiais não têm nenhuma função real e importante na sociedade. Para Girard, esta ideia é compreensível uma vez que o homem moderno, com as suas instituições modernas, supõe que não tem necessidade do religioso para resolver um problema cuja existência lhe escapa. Com efeito, para o homem moderno, o ciclo da vingança enquanto problema social não existe. Assim, a solução [judiciária] lhe dissimula o problema e o apagamento do problema lhe dissimula o religioso enquanto solução.
Pelo contrário, na comunidade primitiva o homem, consciente dos males que a violência pode implantar na comunidade, sabe que estes males são de tal maneira grandes que os remédios que ele poderia utilizar seriam, no melhor dos casos, aleatórios. Assim sendo, ele opta pela prevenção. “O domínio do preventivo é antes de tudo o domínio religioso. A prevenção religiosa pode ter um carácter violento. A violência e o sagrado são inseparáveis”.
Eis que a última expressão, aqui utilizada por Girard, faz justiça ao título da sua obra A violência e o sagrado. Com efeito, no sacrifício, a violência tem uma dimensão religiosa (sagrada). O sagrado nos protege da violência embora se manifeste também como violência.
Quando não há mais sagrado, quer dizer a transcendência que define uma violência legítima e que assegura a sua diferença da violência ilegítima, o legítimo e o ilegítimo da violência são entregues à confusão da opinião de cada um. Não há mais diferença entre a boa violência e a má violência. “Só uma transcendência, fazendo crer à uma diferença entre o sacrifício e a vingança, entre o sistema judiciário e a vingança, pode enganar duma maneira sustentável a violência.”
René Girard pensa que a primazia que as comunidades primitivas concedem ao “preventivo” em relação ao “curativo” não é somente da ordem do religioso. Pois, nas comunidades primitivas, os homens não têm a experiência do travão automático e omnipresente das instituições estatais que permitem ao homem moderno passar impunemente por cima dos limites interditos aos primitivos. Os comportamentos religiosos e morais visam a não-violência na comunidade pelo meio paradoxal da violência. O sistema religioso primitivo ordena a violência e canaliza-a, utilizando-a contra toda outra forma de violência ilegítima; com o sacrifício, a violência profana faz-se sagrada, pura e reconciliadora.
Do estudo feito sobre os diversos sistemas que os homens erigiram para se defender contra o ciclo interminável da vingança, Girard apresenta-nos três categorias:
1. Os meios preventivos que se traduzem nos desvios sacrificiais do espírito de vingança;
2. As adaptações e entraves à vingança, como as composições, duelos judiciários, etc. Nestes casos, a acção curativa é ainda precária;
3. O sistema judiciário cuja eficácia curativa é sem igual.
Em relação à questão da violência, estas três categorias revelam-nos como o homem tem pouco a pouco substituído o sistema religioso pelo sistema judiciário. Neste, a vítima é a culpada, e sobre ela recai uma violência definida pela autoridade, de tal maneira que toda a possibilidade de resposta é afastada. Contrariamente, o sistema primitivo desvia-se do culpado, ele escolhe uma vítima expiatória, porque as pessoas temem o facto de alimentar a vingança. A este propósito, Girard faz referência à Lowie que, na sua obra Primitive Society declara que “ «Os Chukchi procuram muitas vezes evitar uma querela imolando um membro da família.»” Como compreender este absurdo? A razão que resulta deste procedimento, na perspectiva girardiana, é simples: imolando não o culpado, mas um dos nossos próximos, evita-se a reciprocidade vingativa, pois se se fizesse do culpado uma vítima, cumprir-se-ia o mesmo acto que reclama a vingança e consequentemente obedecer-se-ia rigorosamente as exigências do espírito violento. Para aclamar as paixões despoletadas pelo assassínio, é preciso opor-lhe um acto que, seja pelo mais ou pelo menos, não se assemelhe à vingança desejada pelo adversário. Assim, o acto deve assemelhar-se ao mesmo tempo à punição judiciária e ao sacrifício sem se confundir com um ou com o outro. É o caso da solução Chukchi. O sistema moderno (judiciário) é mais adequado ao princípio da vingança, pois ele castiga e pune o culpado. Desta maneira, ele racionaliza a vingança, cura-a e assim acredita secundariamente prevenir a violência. Pelo contrário, o sistema primitivo (religioso) procura impedir a vingança desviando-a para um outro objecto que a possa amortecer.
Apesar da sua eficácia, o sistema judiciário tem a mesma função que o sacrificial. Porém, há um progresso operado pelas sociedades modernas. Este progresso é técnico: elas constituíram autoridades judiciárias e penais duma independência soberana e que possuem um monopólio absoluto sobre a violência. Tanto no sistema primitivo como no sistema moderno é a violência que dá aos homens a possibilidade de moderar a sua violência. Efectivamente, “só um elemento fundador único e que deve ser chamado religioso”, só a transcendência dum sistema reconhecido por todos, pode garantir a eficácia preventiva ou curativa, fazendo a diferença entre a violência legítima e a violência criminal, evitando o ciclo vicioso da violência.
Com efeito, há uma identidade positiva entre a vingança, o sacrifício e a penalidade judiciária. É pelo facto destes fenómenos serem idênticos que eles têm a tendência, em caso de crise, de cair na violência indiferenciada.
O sacrifício é susceptível de perder o seu carácter de violência boa e legítima. Neste caso, a substituição perturba-se e os seres que ela deveria proteger tornam-se suas vítimas, quer dizer a violência recai sobre as criaturas que o sacrifício devia preservar. Esta decadência, impotência ou ineficácia dos sacrifícios é o que Girard chama crise sacrificial. Esta favorece “a mimesis violenta.” A mimesis violenta pode ser compreendida como sendo actos de violência que são despoletados por imitação violenta ou por vingança. Assim, a crise sacrificial é a perda do poder benéfico da violência (sacrificial). Com efeito, no sacrifício há uma dupla dimensão da violência: a má violência e a boa violência. O sacrifício é o acto pelo qual a “boa violência” domina e apazigua a “má violência”. Assim, a crise sacrificial pode ser definida como “a perda da diferença entre a violência impura e a violência purificadora.” Quando numa comunidade, a perda de diferença chega, ela desencadeia a indiferença onde o puro confunde-se com o impuro, o legítimo com o ilegítimo, etc. A crise sacrificial deve ser concebida como uma crise de diferenças. As diferenças não são somente de ordem religiosa em particular, mas também de ordem cultural na sua totalidade; pois, a ordem cultural é um conjunto estruturado e sistematizado de diferenças. As diferenças conduzem às distinções e tornam possíveis as identidades dos indivíduos que se posicionam uns em relação aos outros. Quando o religioso se dissolve na indiferenciação, a ordem cultural desmorona-se com ele, e as instituições no seu fundamento e harmonia social sofrem as suas consequências. A crise sacrificial rompe e destrói as diferenças. Esta destruição não é sem consequência. Com efeito, a indiferenciação da crise sacrificial é sempre acompanhada da violência com o seu carácter mimético. O ser humano na comunidade primitiva sabe que a harmonia, a ordem e a fecundidade sociais são asseguradas pelas diferenças culturais. A indiferenciação torna possível o reino da força (violenta) que afirma o domínio do forte sobre o fraco e sobre a justiça.
Os homens nas sociedades modernas aspiram à uma igualdade que vê nas diferenças sérios obstáculos à constituição das identidades dos indivíduos e à harmonia dos seres humanos. Tendo em conta a perda do horizonte de sentido do sacrifício e da diferença, que caracteriza a sociedade moderna, os homens modernos dão-se conta da erecção duma sociedade violenta e de medo somente depois dos factos. Nestas sociedades cada um tenta tomar o protagonismo naquilo que se chama guerra preventiva tanto ao nível de relações individuais como internacionais.
Com efeito, nas sociedades modernas, trata-se da não concepção da indiferença como violência e vice-versa. A sociedade moderna parece ter perdido o sentido da justiça como definição das diferenças: diferença entre o legítimo e o ilegítimo, o legal e o ilegal, o permitido e o não-permitido, etc. Afinal, como diz Girard, “A justiça humana enraíza-se na ordem diferencial e sucumbe com ela.”
Assim, uma comunidade primitiva, privada da violência purificadora sacrificial está no mesmo estado de indiferenciação que uma sociedade moderna privada da transcendência judiciária. As duas sociedades fazem a experiência da crise sacrificial, quer dizer da crise de diferenças. As comunidades primitivas compreenderam-no sempre, porém, as sociedades modernas parecem não aceitá-lo, uma vez que elas ignoram o perigo da violência mimética.

CONCLUSÃO

O homem na sua existência está sempre e já confrontado à violência, pois ela encontra-se sempre à seu lado, no mundo da comunidade, seja qual for a forma desta comunidade e o seu grau de organização. A violência, na sua forma nua, é intolerável, pois os homens sabem que se eles a deixam instalar-se, é o caos e a morte que eles acolhem no seio deles. Portanto, é-lhes necessário organizá-la sem contudo poder desfazê-la. O sacrifício e o sistema judiciário moderno vêm cumprir esta tarefa.
O religioso faz violência à violência. Assim, a primeira violência é convertida em boa violência, violência purificadora. Quando o religioso e o cultural entram em crise, é o edifício social que se desmorona: não há mais violência boa (sacrifício). Então a má violência ganha espaço e protagonismo, não há mais diferenças; é a perturbação da ordem social, da ordem internacional; é a lei do mais forte sobre o mais fraco e o homem torna-se lobo para o outro, como dizia Hobbes. Será este o drama da sociedade moderna?
Distanciando-nos um pouco mais da perspectiva de pensamento de Girard, afirmaríamos que é-nos difícil descobrir, na abordagem de Girard, os limites entre a antropologia puramente cultural e a antropologia filosófica, embora a fenomenologia se imponha nas suas investigações. Mas, enquanto os nossos conhecimentos sobre este autor ainda não nos permitem dar resposta à esta questão, podemos lançar a nossa hipótese interpretativa que colocaria o autor numa perspectiva de filosofia da (s) cultura (s).
Outrossim, seria pertinente reconhecermos a dificuldade de delimitar taxativamente a comunidade primitiva e a sociedade moderna nos nossos países. Ou seja, para os nossos países, estes dois conceitos de comunidade primitiva e sociedade moderna devem ser interpretados numa perspectiva sincrónica ou diacrónica? Afinal, diante de situações em que afirmamos a necessidade, importância e pertinência do “judiciário” e perante as “manifestações rituais” que sempre se impõem no imaginário cultural de quem ainda acredita “ser da terra”, o questionamento é inevitável: estamos apenas diante dum eterno retorno do primitivo em nós? Ou devemos assumir a nossa existência numa tensão constante entre o tradicional e o moderno? Ou seja, não somos nós chamados a aceitar que somos habitantes dos dois sistemas – o primitivo e o moderno – de tal sorte que em nós eles complementam-se? A resposta a esta questão não interessa tanto quanto o questionamento do qual ela provém.

José Abel Moma


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